sexta-feira, 23 de julho de 2010

Eu sou o completamente outro ou para a página do meu diário

Tantas coisas tenho para dizer sobre isso que me custa começar. E isso, por vários motivos, pela língua (me mezclan los idiomas, la lenguas....), por la necesidad de escrever, de colocar para fora, de cuspir todas a reflexões que Derrida ocasionou em mim. No sé, todavia, no se trata de uma reflexión filosófica. Eu diria, antes, que são reflexões espirituais, internas, emocionais. Não me preocupo com os conceitos, exatamente. Mas, com o que os conceitos (nada conceituais) de Derrida me fizeram, me fazem perceber, perceber o estado atual das coisas.
Bem, eu, somente aqui na Argentina, me percebo como brasileira. Exatamente pelo não reconhecimento por lo cual paso aqui. Eu não me vejo pelas ruas e, pela primeira vez, me doy cuenta do que é o Brasil, pela falta dele. A verdade é que eu não compreendo e não aceito, convivo, com a cultura vigente aqui. Porque aqui não me reconheço, não me reconheço nesta cultura (falo de Buenos Aires estritamente e talvez de um ambiente nada muito favorável, como Faculdade de Ciências Sociais e ruas centrais).
E tampoco eles se reconhecem em mim. Aqui eu sou a estrangeira. Eu sou a outra, a completamente outra. E, pior, sinto a repulsa deles em relação a tudo o que eu sou, a tudo que sempre tive orgulho de ser. Sinto que não há, nenhuma, nem a mais mínima, vontade de aceitar o meu jeito de ser.
Aqui eu sou a puta, a fora da lei, a extravagante. E tudo isso por algo que é tão banal e básico em nossa cultura, em nossa forma de viver. Tudo isso pelo olhar, sorrir e falar. Eu olho, sorrio e falo. A tudo, com tudo e para tudo e todos. Sem discriminação. Quase sempre sem maiores interesses. Fazemos isso automaticamente. É como se nossos músculos faciais estivessem programados para sorrirem quando olham uma pessoa. E, antes, nossas pupilas, programas para olhar GENTE. E pior se falamos de outras coisas, da nossa maneira tão feliz de mirar e viver la vida, apesar de tudo. Nós precisamos cantar. E me olham, quando fazem iso....como se eu fuera uma criminosa. E me temem. Creio que temem que a leveza e o sorriso contagie a cultura deles. Manche a cultura deles.
Derrida fala da hospitalidade incondicional. A sorte é que essa hospitalidade é sempre uma promessa. Porque, na carne, não posso dar e nem sentirla.

22 de julho de 2010. Por volta das 21h. Em meio a aula do Mestrado.

2 comentários:

  1. "Tantas coisas tenho para dizer sobre isso que me custa começar. E isso, por vários motivos, pela língua (me mezclan los idiomas, la lenguas....), por la necesidad de escrever, de colocar para fora, de cuspir todas a reflexões que Derrida ocasionou em mim." - Maravilha de cusparada, Ana, é bom ver você pelo seu texto, é bom ver sentimento no texto e, melhor de tudo, é saber que você tem tantas coisas para dizer depois de estar sendo virada e revirada pelos textos que lê e pelas experiências que vive.
    Não é fácil ser estrangeira. Estrangeira vivendo em Buenos Aires, menos ainda. E ainda disposta a enfrentar a si mesma num processo de pesquisa (o mestrado)... não é pra qualquer um Ana, saiba disso.
    Você vai ver como vai sair modificada desse processo. E quando estiver no fim vai ver como ele foi delicioso, com todas as dores!
    Pelo menos é isso o que, quando estamos no auge da dor, esperamos!
    Força e fé!

    ResponderExcluir
  2. Mas, Paty, não é exatamente dor o que eu sinto. Dor, senti uma vez. Mas uma dorzinha arrogrante, confesso. Uma dor que dizia: êitcha povo abestado esses argentinos!. É algo feio isso de não aceitar a cultura dos outros. Tanto da minha parte quanto da parte deles. Mas, neste sentido, acho que nós, brasileiros, pela nossa cultura tão feliz, temos menos repulsa aos "outros, completamente outros". O que sinto é um reforce (no sentido em inglês) da minha suposta "identidade", eu prefiro usar "brasilidade" ou "loucura total no sentido seixeano" porque eu, definitivamente, "me cago"(no sentido paceño do termo) para o que eles estao pensando. Eu vim aqui viver e, óbvio, buscar meu diploma de Mestre. E vou viver e não ter a vergonha de ser feliz. Podem me chamar de puta, vou responder: pois sim, eu sou a Tieta do cerrado. Se levar um sorriso no rosto é ser puta, EU SOU PUTA SIM! EU SOU REPUTA.....
    Bem, mas eu tô feliz. Odeio, mas tô feliz. E como já disse em um outro post, nem todo mundo é assim, só uns 99%.....jajaja, pra minha sorte eu consigo achar o 1% de gente bacana.

    ResponderExcluir