terça-feira, 26 de abril de 2011

“Achei que não fosse viver para ver isso”



Ana Lúcia Nunes


Alguns dias depois de chegar a Argentina, recebi um convite inusitado: viajar 4h para assistir a um julgamento. O convite, feito por Adriana Arce, não era para assistir a qualquer julgamento, mas ao julgamento dos militares que a prenderam e torturaram, em Rosário, na década de 70, quando ela era uma militante popular. Adriana, assim como milhares de argentinos hoje, queria olhar nos olhos dos mesmos militares e sentir o gosto de vê-los pagar pelos crimes que cometeram. É a mesma sensação de Adriana Beatriz Mordacini, cujo depoimento assisti num dos tribunais de Buenos Aires, meses depois, e das incasáveis Madres, que acompanham todos os julgamentos, dos familiares, amigos e da população argentina, que se sente orgulhosa de, pelo menos, estar julgando aos genocidas.
Durante o julgamento em Rosário, a emoção era visível nos olhos, gritos e palmas que se repetiam a cada sentença que era proferida. O Tribunal Federal n°1 de Rosário sentenciou a prisão perpétua a cinco genocidas, que devem cumprir a pena em prisões comuns. Com os rostos tapados e com um forte esquema de segurança, os torturadores deixaram o Tribunal direito para a prisão. Mas, antes, afirmaram em bom som a várias de suas vítimas que já sabiam como reverter a situação e que não ficariam presos. Eles sabem que, a exemplo do que ocorreu em 1985, a sentença pode ter uma vida muito curta. Enquanto isso, em frente ao Tribunal, centenas de pessoas comemoravam a condenação dos genocidas e era comum escutar a frase “Eu achei que não fosse viver para ver isso”.
Ao todo, desde 2006, foram reabertas mais de mil causas em todo o país contra os envolvidos na ditadura militar. Destes, 783 já foram processados, cerca de 200 condenados, quase todos à prisão perpétua ou a penas de 25 anos de prisão em regime fechado. Neste ano, estão previstos o início de nove causas e a continuação de várias que estão em andamento. Os condenados são principalmente militares das Forças Armadas e Forças de Segurança, mas também há civis sendo julgados.

A lei de obediência e do ponto final
Não é a primeira vez que os militares envolvidos na ditadura argentina são julgados. Em setembro de 1983, antes de deixar o poder, eles promulgaram a “Lei de auto-anistia”, tanto para os que promoveram a ditadura quanto para os que lutavam contra ela, exemplo que o Brasil trataria de seguir dois anos depois.
Em 30 de outubro deste ano, a União Cívica Radical, partido de centro direita, chegou ao poder, através de eleições, com o candidato Raúl Alfonsín. Ainda no mesmo ano, foi publicado o Decreto 158, que obrigava a Justiça argentina a submeter a julgamento à Junta Militar que deu o golpe de estado em março de 1976 e a todos os envolvidos nos crimes de lesa humanidade cometidos no período.
Dois anos depois do final da ditadura, cinco dos nove genocidas que compunham a Junta Militar que governou o pais entre 1975 e 1983, foram processados, julgados e condenados. O processo foi iniciado em abril de 1985 e condenou à prisão perpétua a Jorge Rafael Videla, Eduardo Massera, Ramon Agosti, Armando Lambruschini, e Roberto Viola, e absolveu outros quatro genocidas: Omar Graffigna, Leopoldo Galtieri, Jorge Anaya e Basílio Lami Dozo.
Entre 22 de abril e 14 de agosto de 1985, 833 pessoas testemunharam perante o Judiciário argentino. As histórias de prisões, torturas e demais ilegalidades são muito parecidas as que nós, brasileiros, e milhares de outros latinoamericanos vivemos entre as décadas de 60 e 80. O Tribunal argentino, diante de tantos casos de abusos, resolveu analisar 280, apenas como uma espécie de “amostragem”.
Apesar da condenação de cinco torturadores, havia rumores de que tudo não passava de um pacto secreto das autoridades nacionais com as Forças Armadas para limitar o julgamento a algumas cabeças que não podiam ser defendidas, convertendo o processo em um simbólico Nuremberg, afirmou o atual Secretario de Direitos Humanos, Luis Eduardo Duhalde, em texto de sua autoria publicado no jornal Tiempo Argentino, no último dia dez de dezembro.
Com o desenvolvimento dos julgamentos e investigações para apurar os crimes de lesa humanidade cometidos durante a ditadura militar, setores das Forças Armadas começaram a protestar. A resposta do governo Alfonsín foi a a promulgação da “Lei de Ponto Final”, em 1986, que extinguia a possibilidade de iniciar novas ações penais para apurar os crimes cometidos durante a ditadura em 60 dias. Mesmo assim, os militares continuaram a protestar, pedindo a impunidade completa e saíram às ruas na cidade de Córdoba, a segunda maior do país. A população também saiu às ruas, mas o governo apoiou os militares e promulgou a “Lei de Obediência devida”, em 1987. Com ela, os militares que afirmaram que realizaram torturas, prisões ilegais, e sequestro de bebês sob ordens superiores se tornaram livres de qualquer acusação.
Mas foi o ex-presidente Carlos Menem que se encarregou do maior dos presentes aos genocidas. Em 1990, promulgou três decretos extinguindo toda e qualquer investigação que ainda estivesse em curso no país, além de anular todos os julgamentos já realizados, deixando impune centenas de genocidas. Apesar das leis de impunidade, os movimentos populares e de direitos humanos argentinos continuaram, principalmente, no exterior, movendo ações e exigindo a punição dos torturadores e responsáveis pela ditadura militar no país. Na França e na Espanha, refugiados e filhos de desaparecidos políticos moviam ações penais exigindo a imputação dos responsáveis. Em 2003, o parlamento argentino votou a nulidade das leis de impunidade e as causas começaram a ser reabertas.
Há que considerar sempre a grande mobilização e pressão exercida pelos movimentos populares argentinos, pelas organizações como Madres de Plaza de Mayo, H.I.J.O.S, ex-presos políticos e de familiares que, apesar de toda perseguição, nunca deixaram de se manifestar e de ir às ruas exigindo a punição dos repressores. E mesmo com o desparecimento de duas importantes testemunhas, Julio López – sequestrado há quatro anos - e Sílvia Suppo, os argentinos não se calaram, pelo contrário seguem se manifestando e fazendo uma estridente campanha pela resolução dos desaparecimentos.
O genocídio cometido contra os argentinos marcou fortemente o país por gerações. É impossível caminhar pelo país, principalmente pela capital, Buenos Aires, sem que essa memória não salte aos olhos, seja nas rondas realizadas semanalmente pelas Madres, seja pelas placas que marcam o local de prisão ou moradia dos militantes populares desparecidos, ou pelos monumentos que se espalham pelos bairros da cidade. É um passado que, parece, não querem que seja esquecido, pelo menos não até que todos os torturadores estejam atrás das grades, pagando por seus crimes. E os argentinos sabem que precisarão ser vigilantes para evitar que, mais uma vez, os genocidas fiquem impunes. Os julgamentes podem ser acompanhados pelo site http://www.hijos-capital.org.ar

segunda-feira, 25 de abril de 2011

A política de volta às telas

Dicas de cinema
A política de volta às telas


Desde o final dos anos 70, a política foi lançada ao esquecimento na produção artística. A invasão cultural promovida por Hollywood e por toda a indústria do entretenimento, com seus enlatados, trouxe aos nossos lares, uma arte completamente esvaziada de temas sociais, de realismo, de qualquer análise, interpretação ou representação profunda da sociedade.
Durante os últimos trinta anos, falar de política se tornou démodé. Fazer arte política, uma eresia. Mas, atualmente, muitos artistas - alguns ainda remanescentes da efervescência artístico-cultural que a América Latina viveu nos anos 60 e 70, outros jovens cineastas que retomam o que houve de progressista e revolucionário no cinema – tem retomado a política como tema, processo e ideologia de um fazer cinematográfico.
Dentro de esta vertente, é possível citar algumas boas obras que valem a pena ser vistas. A primeira e mais surpreendente é o documentário francês Qu'ils reposent en révolte (des figures des guerres)”, em português “Quem é responsável pela revolta”, do diretor Sylvain George.
A obra é resultado de três anos de trabalho e convivência do diretor na fronteira entre França e Inglaterra, chamada Calais. Um lugar que se tornou refúgio e porta de entrada de milhares de imigrantes, vindos, principalmente da África. O filme, numa abordagem simples e direta, mostra as estratégias de sobrevivências dos imigrantes, suas condições de vida e a repressão efetuada pelo governo francês. A obra tem cenas muito fortes, como a que mostra a estratégia dos imigrantes para driblar a polícia européia, queimado suas próprias mãos, suas digitais, sua identidade. O filme é daqueles que ao final te deixam com o grito entalado na garganta e nos mostram que a sociedade não é tão perfeita como a TV muitas vezes nos fazem crer, pelo menos para a maioria do povo.
Outros filmes lançados recentemente que também merecem ser visto são Film Socialism, de Jean-Luc Godard, que nos interpela fortemente acerca do estado atual do mundo; We Were Comunist, do diretor Maher Abi Samra, é um passeio pela memória de de quatro comunistas libaneses, que contam suas histórias de luta durante a guerra civil, seus sonhos e pesadelos com a situação atual do país. Para completar a lista de filmes políticos de hoje, dois filmes argentinos: Eva y Lola, da diretora Sabrina Farji, narra o encontro de duas jovens atrizes. Mas não são quaisquer atrizes. Quando a cortina cai, elas são duas “filhas”, expressão pela qual se tornaram conhecidos os bebês roubados nos centros clandestinos de prisão e tortura do país (veja reportagem na próxima edição de AND). Um pouco mais antiga e melodramática, mas também um retrato sincero da ditadura argentina, é a produção ítalo-argentina “Cómplices del Silencio”, de Stefano Incerti.

Esse blog virou um blog sério!

Amig@s, a partir de hoje esse blog virou um blog sério. Además también va a ser escrito en portunhol. Isso mesmo.

Agora vou publicar notas, reportagens, pequenos textos que escrevo para meus trabalhos como jornalista, algumas reflexiones da estudiante de Maestría de la Universidad de Buenos Aires e da professora de Português para estrangeiros.

Para começar, podem acompanhar meu trabalho em:

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